KARATE-KA BRASILEIROS NO JAPÃO- Parte 2

Treino no Honbu Dojo JKS - Tokyo
Treino no Honbu Dojo JKS – Tokyo

Hoje vamos falar da experiência de competição e treino de Karate-Do no Japão. Essa provavelmente é a parte mais interessante da experiência que tive. Já havia ouvido falar muita coisa de quem sabia e de quem não sabia o que estava falando. Gente que foi ao Japão ou mora lá já havia me falado o que encontrei, ou algo muito próximo do que encontrei. Apesar de, antes, ter me deparado com os discursos dos “tradutores de plantão” e “pesquisadores do karate” – que haviam me contado fabulosas histórias de como as coisas funcionavam no Nihon (acho que era o Japão que só existe nos livros…) – percebi que a experiência de quem lá está é a que conta.

Antes do Mundial da JKS fomos treinar no Honbu Dojo da Shotorenmei em Sugamo. O treino foi ótimo, presenciei total cumprimento da etiqueta, treino puxado e a famosa limpeza do piso no final. Observar a dinâmica de como o Honbu Dojo funciona e o espírito com que os alunos treinam e os instrutores ministram aulas foi muito importante. O aprendizado foi intenso em cada instante, porque não eram os detalhes técnicos que mais importavam, mas as atitudes, aquele clima que estava ali, o “cheiro do Karate” era o mais importante.

Claro que muitas coisa que presenciei não são aplicáveis no nosso país (como os golpes de shinai nas bases molengas dos mais preguiçosos), mas pude entender três coisas importantes: primeiro que nossa diferença está na formação infantil (as crianças tem uma aula de educação física boa, que dá a elas muita coordenação motora e consciência corporal). Essa criançada aprende rapidinho muita coisa que Yudansha do Brasil não consegue fazer (como, por exemplo, a rotação correta dos quadris). Segundo, eles treinam muito mais que nós, a maioria da gurizada treina uma hora por dia, mas treina todo dia, ou umas seis vezes por semana, e se divertem!  Não ficam choramingando pela casa dizendo que tá com uma dorzinha aqui, outra ali, acho que essa influência do chorão na nossa cultura atrapalha nosso desempenho… A terceira questão é a formação dessa galera na faculdade. Muitos atletas que ingressam nas universidades entram para clubes de Karate onde se especializam, e entre seus 20 a 28 anos mais ou menos estão treinando também diariamente, mas umas 4 horas por dia.

E treinar mais é necessário pro nosso corpo se adaptar, afinal ele trabalha com a lei do menor esforço e desmancha todas as estruturas que não está usando. E assim a água quente vira fria toda vez que você fica uma semana sem treinar por causa daquela prova ou por causa da sua namorada que quis passear mais… Precisa mudar algumas coisas dentro de cada um pra que nosso treino seja mais parecido com o treino dos japoneses. Até saber o Dojo Kun em japonês foi útil para participar dos treinos no Honbu Dojo, eles repetiam as cinco regras cada final de treino (KUN = regra, ok pessoal dos lemas???). Uma coisa que vale a pena também é consultar o site das organizações. Várias delas disponibilizam o calendário de treinos no local e quem será o ministrante, o que pode ajudar quando você quer treinar com um ou outro instrutor, etc.

Treino no Honbu Dojo JKS - Tokyo
Mudial JKS em tokyo – 2013

A competição também foi muito interessante. Como estávamos em 128 atletas no Kata e 96 noKumite das categorias que participei, pude ver todo tipo de performance e de expressão corporal, desde caras grandes aos bem baixinhos, desde caras rápidos aos mais lentos, mas que com um bom kihon mostravam eficiência igual no seu Karate. No fim os japoneses faturaram os principais títulos, mas não por falta de merecimento. No Kata masculino o campeão foi Kouji Arimoto, que no ano anterior havia sido campeão mundial na WKF por equipe, e no Kumite masculino Hideyoshi Kagawa, o gigante, também membro da seleção japonesa JKF, bateu o ex-campeão mundial de Kumite da WKF Nagaki Shinji.  Não preciso dizer que todos eles dentro da JKS também eram campeões mundiais ou tinham grande destaque, além desse desempenho dentro do “karate esporte”. Algumas coisas que chamaram atenção foram a simplicidade (praticamente nada eletrônico conduzindo a competição), a disciplina (todos os atletas mantiveram-se sem comportamentos desrespeitosos e sentados na volta da quadra onde competiam, sempre em ordem) e a coragem (ninguém reclamou das porradas que levou, mesmo as mais duras que abriam ferimentos ou derrubavam alguns, e se mantiveram firmes lutando).

Durante a abertura pudemos prestigiar também duas demonstrações espetaculares, da equipe de kata masculino realizando a mesma performance que rendeu o primeiro lugar no mundial da WKF em 2012 e em seguida um grupo de instrutores do Honbu Dojo (Matsue, Nagaki e Okamoto) apresentou o kata koten (linha Asai) chamado Sensho, com uma bela demonstração de bunkai. A experiência no Mundial da JKS, por fim, não me trouxe medalhas nem troféus. Para disputar com os atletas campeões é necessário um treinamento muito mis intenso. Mesmo assim, participar do evento trouxe um aprendizado muito grande sobre quanto e como treinar, treinar para que. Saber exatamente para que treinar é fundamental, senão embarcamos em todo tipo de ideias desnecessárias. Nos dias atuais, em que está a nossa disposição todo tipo de informação pela internet acabamos misturando muitas coisas.

Mas a experiência virtual nunca substituirá a experiência presencial, pessoal. Pelo contrário, é a experiência de estar presente e fazer o treinamento com um grande mestre ou competir no alto nível que nos farão selecionar entre o que é e o que não é útil a cada um de nós, e isso faz toda diferença.

Osu!!!

6 comentários sobre “KARATE-KA BRASILEIROS NO JAPÃO- Parte 2

  1. Quero parabenizar o autor pelo excelente texto e comentar especificamente a parte que fala sobre a postura das crianças e jovens.

    A questão cultural, na minha experiência permite fazer um divisor de águas: há alunos que querem imersão na cultura japonesa e outros que querem só facilidades para colocar uma faixa preta na cintura. Assim, o professor tem que decidir que perfil dará ás suas aulas.

    Há alguns anos adotei a lógica de imersão. Coleciono, desde então, alunos com boa postura e certeza de nível técnico.

    É muito mais interessante e motivador dar aulas no paradigma oriental que no paradigma facilitado.

    Os jovens do Brasil (e do resto do mundo) estão se tornando uma mesma massa amorfa consumidora de bens culturais americanos em detrimento de uma personalidade regional. Entendo que a única maneira de abordar isto é falar abertamente da opção que a academia oferece e o que ela significa: diferenciação e identidade. Tem dado certo, tanto para os jovens, como para os pais dos jovens, que acabam matriculando-se também.

    Os muitos que não querem esta proposta porque desejam um “karate chiclete”, fácil de consumir (o que todos sabemos ser um engodo, porque nada sério é fácil no sentido de proporcionar resultados) e com resultados garantidos e rápidos (“como um “cheat” de jogo ou um “modo easy”) acabarão encontrando professores que se deixarão seduzir por esta proposta e até prosperarão por um tempo mas a o tempo mostrará o resultado de um esforço assim e aí o professor terá o problema sério de como motivar um grande público muito graduado com nível técnico questionável para a faixa recebida ou como explicar que perderam tempo e que precisam mudar.

    Augusto – 49 anos
    Academia Athletic Center – Catalão, GO

    Curtir

    1. Concordo contigo sensei Augusto. Apesar de ainda não ter alcançado a faixa preta, tive a oportunidade de treinar nesses dois formatos de escola. Esse modelo “chiclete” como mencionou traz uma certa frustração aos alunos. Treinei em uma academia que o faixa branca p fazer exame era suor e sangue e por vezes em competição esses faixas brancas se destacavam. Lá alcancei a faixa vermelha somente depois de 3 anos e meio de muito treino (Kihon, kata e kumite). Em uma situação que não esqueço foi em um ginásio de esportes, estava me aquecendo e fazendo alguns movimentos aleatórios do kata que iria competir e um garoto da minha idade (na época) perguntou se eu era faixa preta…eu disse “não…sou faixa vermelha” e pela cara dele achou q eu estava de brincadeira. Com o tempo mudei de cidade e procurei uma academia e era notável que os mais graduados lá tinha o nível técnico extremamente baixo e isso era frustrante pq não pegavam boa colocação nas competições. Percebi que tinha alunos que havia feito exame de faixa após três meses de treino. Aí fica difícil neh.
      Lendo sua postagem lembro-me do Sensei Giuliano Benites (Agudos/SP): “Karateka é igual a laranja, vc o espreme, ele reclama, mas depois ele te agradece pelo suco que irá tomar (no caso o sabor das vitórias alcançadas)”. Não tem milagre…é treinar, treinar e treinar. E mesmo depois de treinar muito, descobre que ainda tem coisa a aprender.
      Nesse mesma linha que descreveu espero um dia ter o meu Dojo e passar esses valores que aprendi, que o karatê não está na faixa que põe na cintura e sim dentro de você.

      Oss

      Francis Braga.
      Academia Power.
      Marília/SP

      Curtir

  2. Realmente um belo texto. Já estive no Japão em 2004 disputando o Mundial JKA e realmente é uma experiência extraordinária. Somos um, antes de treinar e competir no Japão, e outro após esta experiência. Parabéns Tiago. OSS…

    Roberto Pestana
    Rio de Janeiro – RJ

    Curtir

  3. OSS!. OLHA, O TEXTO E O COMENTÁRIO DE AUGUSTO FAZ A GENTE REFLETIR SOBRE O QUANTO DEVEMOS DINAMIZAR, TANTO OS NOSSOS TREINOS PESSOAIS QUANTO AS AULAS A SEREM MINISTADAS, SENTIR A ESSÊNCIA, COMO DIZ NO TEXTO O CHEIRO DO KARATÊ. MUITO, MUITO, MUITO PROVEITOSO A LEITURA DO TEXO. OSS.

    Curtir

  4. Parabéns pela matérias sensei Tiago Frosi.
    Realmente a disciplina e a organização dos japoneses é algo incomparável a dos brasileiros, porém o que falta muito aqui é vergonha na cara de muito os picaretas!

    Márcio Melo
    Natal – RN
    BKK-RN

    Curtir

  5. A nossa cultura é extremamente diferente aos orientais. Por isso fica difícil o professor de karatê trabalhar na academia a filosofia e os valores desses povos. Mas acho que o início do karatê arte deve seguir esses ensinamentos juntamente com a técnica aprimorada a cada treino. Oss!

    Curtir

Deixe sua opinião por favor. Oss!